02/12/2022 2:52 pm | Atualizado em: 17/03/2023 11:34 am
Aprendei a fazer o bem é máxima apreciada pelo apóstolo Paulo, ao escrever às comunidades de seu pastoreio, na missão de educá-las para o diálogo e, assim, contribuir para a construção de uma sociedade mais justa. Essa máxima é também recomendação com tons de advertência e convocação: deve ser assumida como tarefa pelos cristãos, chamados a serem exemplares para os demais cidadãos e cidadãs da sociedade civil. Todos são, o tempo todo, aprendizes da prática do bem. E tempera essa experiência de aprendizagem uma boa quantidade de humildade, pois o orgulho alicerça a soberba, responsável pelos comprometimentos nos diálogos – especialmente na capacidade de escutar -, antídoto para polarizações. O orgulho também desfaz a condição de santuário que reveste o coração humano. Essa condição é substituída por uma dinâmica doente, de disputas, que gera incapacidade para a cooperação – perde-se a sabedoria que permite reconhecer as riquezas que nascem das diferenças.
Aprender a fazer o bem é inegociável caminho para o adequado exercício da cidadania, imprescindível compromisso com a edificação de uma sociedade sobre os pilares da justiça, do bem e da solidariedade. Dentre as suas exigências, aprender a fazer o bem requer, em todas as circunstâncias, buscar superar polarizações. Ora, a polarização, em discursos e posturas, pode inviabilizar a constituição de novos cenários capazes de ajudar na superação da miséria, da fome e de muitos outros males. Ambientes marcados pela polarização alimentam o ódio no coração do ser humano, obscurecendo a visão que permite reconhecer a essencial necessidade de convergência na busca pelo bem comum. Os prejuízos são grandes na ordem social e no relacionamento interpessoal. Convive-se com postulações autoritárias e prejuízos irreparáveis. Consequências igualmente graves são as inadequadas associações entre religião, política e economia, buscando dissipar a singularidade de cada um desses campos.
Quando se quer impor narrativa única, sob a pretensa ilusão de que tudo e todos devem estar em um mesmo enquadramento, a sociedade pluralista sofre com a perda de oportunidades e retrocessos. Por isso, a recomendação do apóstolo Paulo, “aprendei a fazer o bem”, é um remédio indispensável. Possibilita o avançar de cada pessoa na tarefa de construir uma sociedade melhor. E muitas práticas e princípios morais são importantes para exercitar a capacidade de promover o bem. Preciosa é a indicação de não se deixar vencer pelo mal. Ao invés disso, deve-se vencer o mal com o bem. Eis um singular princípio moral cidadão e cristão, compreendendo que o bem é fruto de longa e árdua batalha contra o mal. Não existe outro caminho: é preciso praticar o bem, saída única na superação de pesados sofrimentos que destroem povos e nações. O ponto de partida é se reconhecer como um coração da paz, o que aponta para a responsabilidade de cada um na constituição de uma sociedade marcada pelo bem.
Tornar-se um coração da paz é conquista humana e espiritual, demandando a revisão de sentimentos. É preciso se libertar, especialmente, dos rancores e do desejo de vingança, para não se entrincheirar imediatamente na condição de inimigo, permitindo-se desrespeitar a dignidade humana. Em síntese, o aprendizado da prática do bem começa pelo zelo com os sentimentos que habitam o coração humano. Trata-se de um cuidado que precisa contemplar a assimilação de adequados valores e a capacidade para compreender variados pontos de vista. Aqueles que cultivam um coração da paz conquistam a força para vencer o mal com o bem. Um coração da paz é tenda ampla que abriga nobres valores, compromisso com a solidariedade, reverência ao próximo, considerado o mais importante, conforme ensina a fé cristã. Aqueles que são coração da paz reconhecem também que é essencial cuidar do meio ambiente, efetivar uma economia pautada no sentido da partilha e da inclusão social.
O amor deve ser sempre a última palavra, tornando-se a razão que alicerça todas as atitudes. Somente o amor consegue situar as pessoas na condição de aprendizes. A vivência da fé cristã possibilita a todos proteger o próprio coração do mal, permitindo a revisão de sentimentos. Preciosa é a indicação “aprendei a fazer o bem”, para que a própria interioridade se torne fonte de sabedoria, aquela que qualifica líderes, reveste a cidadania de genuíno compromisso com o próximo, impulsionando a vivência da amizade social e da solidariedade universal.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)