09/02/2021 10:16 am | Atualizado em: 09/02/2021 10:16 am
Partindo da reflexão proposta pelo Papa Francisco na mensagem para o 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais, a Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizou na quinta-feira, 4 de fevereiro, a primeira edição das lives CNBB – Igreja no Brasil Painel de 2021 com o tema: “Gastar a sola do sapatos”: as inspirações do Papa para a Comunicação Social”.
“Nós estamos vivendo um tempo de mentira. De notícias falsas cuidadosamente pensadas e disseminadas nas redes sociais para fazer o mal às pessoas e grupos”, disse o bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte (MG) e presidente da Comissão de Comunicação da CNBB, dom Joaquim Giovani Mol, na introdução do tema e apresentação dos participantes. Dom Joaquim Mol é o mediador desta série de lives.
Para o 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado sempre na Ascensão do Senhor, este ano dia 16 de maio, o Papa Francisco faz o convite em sua mensagem a “ir e ver”, como os primeiros convites que Jesus Cristo fez aos discípulos, conforme pode ser conferido em Jo 1, 46, como forma de conhecer a realidade. Para o Santo Padre, este também é o método de toda a comunicação humana autêntica.
No jornalismo, segundo a mensagem do Papa, “ir e ver” evitaria a crise editorial que corre o risco de levar a uma informação construída nas redações, diante do computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca sair à rua, sem encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações. Com esta mensagem, o Francisco convida a Igreja e a todos que trabalham com comunicação a “gastar a sola dos sapatos” para desenvolver uma comunicação autêntica capaz de dar conta da verdade das coisas e da vida concreta das pessoas.
O jornalista, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Moisés Sbardelotto, levantou as noções de comunicação apontadas nas mensagens de comunicação desde o início do magistério do Papa Francisco. Com experiência na área de Comunicação, com ênfase em internet, cultura digital, processos midiáticos e religião, Moisés defendeu que o tema da comunicação abrange a vida humana e não se restringe apenas à comunicação social, feita por profissionais da área, que tem o seu espaço e importância no tecido social . “A comunicação é vista como processo e ações que perpassam tudo que nós fazemos”, disse.
A concepção do Papa Francisco, segundo Moisés, é muito enraizada no ser humano, encarnada na realidade e pensada à luz do Evangelho. “Em suas mensagens, o Papa sempre traz a concretude e a humanidade por trás dos processos de comunicação. Não se trata de mera teoria, tecnicismo ou um instrumental para alcançar objetivos”, afirmou.
A força-motriz da reflexão do Papa Francisco sobre comunicação encontra-se na expressão forte de seu papado: “a cultura do encontro” em contraposição à “globalização da indiferença”. O especialista em comunicação, afirmou que o que Papa Francisco vai pensando mas também vivendo na prática, com a sua própria vida, aponta para a direção que seu papado tomaria explicitada por ele mesmo em sua primeira aparição pública já como Papa: “o caminho de fraternidade”, tema de sua última encíclica Fratelli Tutti.
“O Papa percebe na realidade humana contemporânea a globalização da indiferença. As pessoas olham para o lado e já não enxergam mais um irmão e uma irmã. Enxerga alguém a ser destruído e, até mesmo, morto simbólica e, muitas vezes, concretamente. Em razão disto, o Papa promove a cultura do encontro ligada à ideia de comunicação como um ação com os outros”, disse. A comunicação que constrói muros ao invés de aproximar, segundo Moisés, é muito presente nas redes sociais hoje.
De acordo com ele, o Papa resgata suas três ideias centrais de comunicação do Evangelho e o que configura a sua trilogia sobre o tema está expressa em suas mensagens. Em 2018, quando falou da ideia de fake news (notícias falsas), tendo escolhido a frase “A verdade vos tornará livres”, o Papa falou da da desinformação por meio das falsas notícias e da responsabilidade dos cristãos frente à esta realidade.
Outra ideia, presente na primeira mensagem de 2014, é retirada da Parábola do Bom Samaritano, considerada também como a parábola do bom comunicador pelo Santo Padre. Para o chefe da Igreja, o bom comunicador, a exemplo do Bom Samaritano, é alguém que está atento à realidade, às estradas da vida, aos sofrimentos e injustiças da história, se inclina e vai ao encontro do outro, fazendo-se próximo.
A outra imagem forte, segundo Moisés, o Papa trouxe em sua primeira visita ao Brasil, os discípulos de Emaús com quem Jesus faz o movimento de estar em saída, de ir ao encontro, escutar e ouvir para, só então, estabelecer um diálogo, propor a sua verdade e aquilo que trazia também em seu coração. Em 2020, o Papa apresentou a ideia da má informação e convida os comunicadores a construir boas histórias e narrativas. Na mensagem deste ano, ele fala do método de toda comunicação humana autêntica: “ir e ver”.
“Os três verbos de Emaús sintetizam a comunicação do Papa. Ir ao encontro para se pôr à escuta. O Santo Padre diz que nunca deveremos responder a perguntas que ninguém se põe, sob o risco de fazer uma comunicação que fala sem prestar atenção à realidade. Que devemos buscar uma comunicação que harmoniza as diferenças porque elas nos enriquecem. Não apenas dar algo para alguém, mas também saber receber do outro a sua riqueza”, disse.
Quem quiser conhecer um pouco mais das ideias de Moisés Sbardelotto pode buscar pelos livros que ele publicou: Comunicar a fé: por quê? Para quê? Com quem?, pela editora Vozes; E o Verbo se fez rede: religiosidades em reconstrução no ambiente digital, pela Paulinas e o E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet, pela editora Santuário.
A jornalista e assessora de comunicação da 6ª Semana Social Brasileira e vice-presidente da Signis Brasil, Osnilda Lima, louvou o esforço da Igreja no Brasil de se posicionar firme por meio da divulgação do vídeo com a presidência da CNBB motivando à imunização da população contra a Covid-19. Por outro lado, a jornalista disse ser necessário também, no contexto de comunicação atual, pedir perdão pelas notícias falsas, pelo excesso de informação sem aprofundamento e pelas vezes que não soubermos ir e ver e depois narrar sobre o que as pessoas têm a falar.
Ela falou do “cancelamento”, prática forjada, muitas vezes, por pessoas especialistas em disseminar notícias falsas e usam da arte de manipular multidões a partir de suas crenças para controlar opiniões nas redes sociais. Outro problema apontado por Osnilda é o da “infodemia”, o vírus da má informação, o excesso de informação sem qualidade que circula, por exemplo, agora no contexto da pandemia. Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde de 2020 apontou que quase 70% de notícias falsas sobre a pandemia circulou pelo Whatsapp. Só em abril de 2020 foram carregados 361 milhões de vídeos no Youtube referentes à covid-19. “Como nós comunicadores da Igreja nos colocamos diante disto?”, perguntou.
A assessora de comunicação apontou que ao mesmo tempo que diminuiu o crédito dos veículos tradicionais de comunicação aumentou o poder de comunicação das pessoas nas redes sociais. Contudo, um problema decorrente daí, segundo a jornalista, é a confiabilidade nas informações. Ela apontou que os cristãos devem ter o cuidado para não disseminar notícias falsas e também não ferir a liberdade de comunicação com a justificativa de que pode comunicar qualquer coisa, mesmo sem embasamento real. “Nossa missão é reverberar as vozes silenciadas do povo”, disse.
Em contraposição a este modelo de comunicação instrumental e funcionalista, Sbardelotto defendeu a necessidade de buscar uma comunicação baseada na sensibilidade e não na mera informação, que não tem rosto, história e não está construída baseada em relações humanas. “A ideia é buscar uma comunicação que tenha um rosto, que tenha histórias humanas por trás, que a gente possa tocar nos sentimentos e experiências em jogo”, disse.
“Do ponto de vista cristão, nenhuma informação deve ser imparcial, isenta e neutra. Nós cristãos tomamos partido: Na dúvida fique ao lado dos pobres, das minorias perseguidas e da criação, como apontou o Papa”, disse.
A quem comunga da experiência do seguimento a Jesus e de estar em sintonia com o Santo Padre, Moisés aponta o papel de ajudar a construir, por meio da comunicação, a esperança e o olhar pascal mesmo em cenários de maior desolação como o vivido agora em tempos de pandemia.
Lives CNBB – Igreja no Brasil Painel
O objetivo desta série de lives, que se estenderá ao longo de 2021, é conectar pessoas e experiências às ideias e processos que estão sendo vivenciados na Igreja no mundo e na Igreja no Brasil, percebendo como estes temas do magistério da Igreja e do Santo Padre são encarnados na realidade brasileira.
As lives acontecerão sempre na primeira quinta-feira do mês, às 17h, com um tema de aprofundamento ligado ao magistério da Igreja e do Papa Francisco. A próxima está marcada para o dia 4 de março e poderá ser acompanhada por meio das redes sociais da CNBB.
Fonte: CNBB