O respeito ao povo deve orientar o processo de reforma da Previdência. É fundamental escutar e considerar as diferentes perspectivas sobre essa proposta, para que não se cometam injustiças irreversíveis, um peso opressor sobre os ombros da população, com sacrifício ainda maior para os mais pobres. Esse diálogo deve envolver, de fato, os cidadãos, além de incluir entendimentos especializados, políticos e culturais, tudo balizado pela ética.
Quando se fala sobre essa “reforma”, obviamente deve-se lembrar de uma demanda inquestionável que envolve não somente o setor previdenciário, mas também muitos outros segmentos do Estado. São necessárias, por exemplo, as reformas do Judiciário, a fiscal e a tributária. Particularmente, uma urgência é a reforma política, que não avança porque muitos representantes do povo têm medo de perder privilégios. Há, também, um modo de atuação historicamente viciado na sociedade, como evidenciam os esquemas de corrupção envolvendo políticos e outros setores, o que inviabiliza a necessária reforma política. Uma força perversa que atrasa a superação da crise econômica e impõe verdadeiro caos social. Por isso mesmo, reconhecer a necessidade inadiável da reforma da Previdência não significa simplesmente adotar a perspectiva em debate no Congresso Nacional, encaminhada pelo Executivo, como visão única e hegemônica. Isso porque, há uma crise de credibilidade que atinge os representantes do povo.
Assim, não se pode desconsiderar a necessidade da reforma previdenciária, em busca de sustentabilidade e do bem do povo, o que também não significa compreender que o lugar de quem governa seja o único para definir os parâmetros da discussão. Embora se reconheça como prerrogativa do Congresso Nacional discutir e aprovar a proposta de reforma, os parlamentares não podem conduzir o assunto apenas entre eles. É preciso um amplo debate, incluindo o povo, pois a mudança que se espera deve acabar com os privilégios de uma minoria, o que envolve os próprios políticos.
Diante dos argumentos do governo federal para propor uma reforma previdenciária, muitos segmentos manifestaram-se contrariamente, dizendo que os dados apresentados para justificar as alterações constituem “uma farsa”. Há de se esclarecer esse impasse. Alguns defendem que não existe “rombo da Previdência”. Outros indicam um preocupante déficit. Onde e com quem está a verdade? Outro aspecto importante a se considerar refere-se à idade da aposentadoria. Essa definição considera a complexidade do contexto social e cultural da sociedade brasileira? São questionamentos que precisam ser respondidos, de modo claro, antes de qualquer passo definitivo na reforma previdenciária.
O entendimento sobre essas questões só pode ser alcançado a partir de um amplo debate, para que a reforma não se configure como um posicionamento unilateral e autoritário, em que representantes eleitos, ao invés de defender os direitos do povo, fazem o contrário. Os parlamentares têm a obrigação moral de discutir o assunto com suas bases, clarificando todas as dúvidas, até a “última gota”, desse complexo e delicado tema. Fidelidades partidárias e interesses cartoriais não podem orientar as ações dos políticos em momento tão decisivo.
Não haverá sustentabilidade na Previdência Social se forem ignoradas as necessidades do povo, particularmente de quem é mais pobre e frágil. A oportunidade dessa reforma precisa ser também a chance para corrigir situações vergonhosas na sociedade, historicamente organizada para favorecer alguns grupos, poucos privilegiados, prejudicando uma ampla maioria que não possui a mesma força no exercício dos poderes. Espera-se que o espírito da Constituição cidadã de 1988 não seja ferido. Não se pode, por exemplo, agir com “mão de ferro” ao lidar com os cidadãos comuns e tratar com “luvas de pelica” as empresas que devem à Previdência.
Agora é necessário investir nos entendimentos sociais e políticos, bases indispensáveis para uma nova aragem civilizatória na sociedade brasileira. A reforma da Previdência que precisa ser feita requer compromisso com a verdade e com a justiça. Para isso, os processos devem ser pautados no respeito que o povo merece.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte