Os horrores do racismo

É um dever social reconhecer todo o sofrimento causado pelo racismo. Ao longo da história, a humanidade vem pagando um alto preço em razão das diferentes formas de discriminação. Os passivos humanitários e culturais exigem alto investimento para se corrigir os rumos da civilização – mesmo reconhecendo que há danos morais irreparáveis. Ainda assim é possível aprender com essas perdas e recompor a luz da consciência cidadã.  Nessa dinâmica, que contempla o exercício da autocrítica, torna-se   possível equalizar os desequilíbrios que descompassam e desregulam as relações sociais, gerando os desvarios da violência e das disputas.

E os analistas da história têm muito a contribuir na formação de uma nova consciência, despertando sensibilidades. Afinal, quando se conhece a história, enxergam-se bem as perdas terríveis e as privações geradas, que pesam ainda mais sobre os pobres, comprometendo o desenvolvimento integral. O racismo retarda conquistas e progressos. E, ainda pior, perpetua os cenários vergonhosos de exclusão e pobreza. Por tudo isso, os horrores do racismo, algumas vezes escondidos e camuflados, devem ser reconhecidos como realidade patente e vergonhosa. Esse reconhecimento é passo fundamental para estabelecer tratamentos educativos mais incidentes, capazes de mudar mentalidades.

As providências e encaminhamentos nas esferas judiciárias para o combate ao racismo, em suas diferentes configurações, são indispensáveis. Devem ser continuamente aperfeiçoados. E há uma urgência prioritária: o permanente investimento em processos educativos, com incidência nos diferentes âmbitos da sociedade – família, igrejas, instituições culturais e educacionais – para consolidar referências, valores e dinâmicas capazes de influenciar novos modos de agir.

Assim, para criar uma nova mentalidade, é urgente resgatar o sentido da solidariedade.   Isso para que não se conviva mais com situações e atitudes racistas de indivíduos que, longe de serem casos isolados, evidenciam algo maior – causador de suicidas e homicidas colisões.

É indispensável a coragem para mapear, permanentemente, os territórios onde se manifestam as diferentes formas de racismo. Dói especialmente aquelas que desrespeitam as raízes afrodescendentes da população brasileira. É, na verdade, uma abominação, que revela massacrante irracionalidade e miopia. Afinal, quem é racista não consegue identificar a força dos valores, a singularidade da beleza, a grandeza de sentimentos e os talentos de quem é vítima do preconceito. Com irracionalidade e miopia vem o atraso que impede a sociedade de aproveitar bem suas potencialidades, sua cultura ricamente plural.

Consequentemente, em vez de avanços, convive-se com vergonhosas discriminações. Consolidam-se, particularmente entre os representantes do povo, maneiras de lidar com os cenários de miséria e pobreza que são frias, indiferentes, pouco inteligentes e desumanas.

Necessita-se de um verdadeiro mutirão educativo para debelar os funcionamentos mentais que alimentam o racismo. Esse gravíssimo mal não pode gerar reações somente em casos pontuais, quando, por exemplo, alguma situação de discriminação é denunciada nos noticiários. Em todas as situações e oportunidades, no dia a dia, o racismo deve ser combatido. Quando se combate o racismo, dissipa-se, por exemplo, a ilusória convicção de que a importância social e política de determinado cidadão se garante por seu pertencimento a uma família tradicional, ou porque se tem dinheiro em abundância. Percebe-se, pois, que unidos aos diferentes tipos de discriminação, caminham os mecanismos de favorecimentos e privilégios. E a maioria da população permanece abandonada, convivendo com a ampliação da brecha que separa os ricos dos pobres.

Ora, as diferenças não podem ser ponto de divisão, mas compreendidas como riquezas do povo. E para consolidar esse entendimento, são necessários investimentos na sociedade, de caráter antropológico, capazes de fazer com que todos reconheçam, na dignidade humana, o ponto de partida para o exercício da cidadania e para o estabelecimento das relações sociais. A tarefa não é fácil e o caminho a ser percorrido é longo. Mas, se for trilhado, possibilitará o desenvolvimento integral e igualitário da sociedade.

A antropologia cristã tem muito a contribuir no processo de combate às diferentes formas de racismo por cultivar o entendimento de que cada pessoa cresce, amadurece e santifica-se na medida em que se relaciona com o mundo – com as pessoas, com as criaturas – permanecendo em comunhão com Deus. Dessa forma, cada homem e mulher compõe um maravilhoso livro que contribui para revelar a grandeza e a importância de toda a criação de Deus. E os horrores do racismo poderão, enfim, ceder o seu lugar para os entendimentos e práticas orientados para o desenvolvimento integral.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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