A sociedade brasileira enfrenta uma das mais difíceis fases de sua história, indicativo incontestável de que reformar é necessidade urgente para abrir horizontes novos. Essa tarefa exige audácia capaz de promover dinâmicas, encontrar respostas e configurações normativas que tornem a sociedade mais civilizada, com igualdade e respeito à dignidade humana. Nessa direção, devem ser superados privilégios que causam exclusão. Também é momento para se cultivar o sentido patriótico de pertencimento, que sustenta o relacionamento harmonioso entre diferentes segmentos da sociedade. Uma nova realidade que deve ser configurada com esforços dedicados à promoção de reformas arquitetadas com clarividência, comprometidas com a busca de solução para as aflições que pesam sobre todos e, de modo mais forte, na vida dos pobres.
Instituições diversas podem e devem procurar o caminho das mudanças. A própria Igreja Católica tem na sua configuração o princípio “Ecclesia semper reformanda”, mencionado em documentos e contextos históricos, levando a Igreja a compreender-se como passível de revitalizações em sua dimensão institucional. A exigência de reformas é, desse modo, inquestionável, quando se busca oferecer respostas a novos desafios. O tratamento adequado e inteligente das demandas contemporâneas e a consideração das inevitáveis mudanças culturais requerem que organizações diversas desenvolvam novos planejamentos, avaliem impactos das transformações e adotem vetores diferentes com o objetivo de alcançar equilíbrio e sustentabilidade. Por isso, que fique bem claro: quando a Igreja Católica, nas suas configurações institucionais, a partir de diferentes líderes, questiona processos de reformas, não significa que é contrária às mudanças.
A própria Igreja reconhece a importância de reformar-se para corresponder às necessidades dos fiéis, a seus propósitos missionários e fortalecer seus muitos serviços sociais de amparo aos pobres. Ao posicionar-se sobre o grave momento nacional da sociedade brasileira, apontando suas causas e consequências, a Igreja não se manifesta contrária às reformas. Diferentemente disso, coloca em questão processos, conteúdos e operações nos procedimentos das reformas propostas, pois muitos condutores das iniciativas de mudança sofrem com a falta de credibilidade, em razão de suas posturas pouco alicerçadas na moral. Esses condutores, que têm a força da voz e do voto, agem na sombra da falta de ética e do pouco apreço pela honestidade. Disso resulta um incalculável déficit na sociedade brasileira e a confusão se instala: as vozes desafinam, e as intuições interpretativas para propor as reformas inadiáveis ficam contaminadas, enfraquecidas.
Olhar a realidade social e política da sociedade brasileira atual e não admitir reformas seria, minimamente, insanidade. Sem as mudanças, acelera-se o processo que leva ao colapso ou à inadequação das instituições, sejam civis, governamentais, culturais ou religiosas. Assim, não admitir reformas é prova da falta de inteligência. Só mesmo razões ideológicas, com parcialidades comprometidas – ou interesses coletivos e partidários, guiados pela tirania, por horizontes balizados na imoralidade, no desrespeito a princípios e valores – ignoram essa urgente necessidade. As reformas são a única saída para tirar a sociedade do lamaçal de práticas abomináveis que fazem o país submergir no fosso do fracasso da sua economia, política e cidadania. É preciso mudar e com urgência! Não tem sentido ser contra reformas, nos mais diferentes âmbitos, mas elas precisam ser capazes de imprimir novos rumos, resolver gravíssimos problemas. Para isso, não se pode esperar que as transformações necessárias sejam conduzidas por mentes contaminadas ou condutas moralmente comprometidas.
Conta agora estabelecer o amplo diálogo exigido, para limpar os trilhos de obstáculos advindos da desonestidade, e assim ser possível avançar rumo às inadiáveis reformas. Um percurso construído a partir das atitudes cidadãs de homens e mulheres competentes e com credibilidade. As reformas têm a urgente tarefa de começar a construir uma virada civilizatória e cultural no Brasil. O desafio maior é como efetivá-las, diante do momento abissal vivido no país, de fragilidade política e moral. Um contexto que exige ainda mais lucidez, sabedoria e sentido de cidadania. Trabalhe-se de modo cidadão pelas reformas, como a que resultou na Constituição Cidadã de 1988, no que pese seus limites e fragilidades, para efetivar amplas transformações e se construir um Brasil novo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte